quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Patriarca

Essa perna manca dá dois pontapés no planeta,
um grito de festejo, uma imensa carambola,
quem de nós se importa?
A amizade nos consola.

Cresce em mim a tua imagem,
de preceito esse respeito imperial,
que intransigente protege a prole,
sob a alçada solene de águia real.

Vives em minha infância,
qual prego cravado no chão,
tua harmónica sempre presente,
a alegria, o conluio, a comunhão.

Entre olhares nos entendíamos,
na nossa exaltada maneira de ser,
por tão ternos nos tomam,
quem realmente nos pôde ver.

Extingue-se o ar, fogem os dias,
o amor não perde acção,
apartam-nos por momentos, efémeros,
findos minutos de tempo vão,
enquanto soletras impenetrável nome,
estaremos novamente em reunião.

Muito do que tenho foi por ti,
Muito do que alcanço é para ti.

Em teu encalço...

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Musa

Musa da lira,
Da harpa encantadora,
Indelével solta música,
Aclamada sedutora.

Tímidos raios se soltam,
Em teus olhos de um doce céu,
Por eles alcançamos a luz,
Sem eles o mundo é breu.

Advogas clareza, serenidade,
Reconcilias quem te rodeia,
Trilhas dogmas a pulso,
Minha doce plebeia.

De afortunada tendes o nada,
Irrealista no dédalo real,
Pecas serenamente sem dolo,
Com torneies e dança fatal.

Os que te vêem não esquecem,
Passado não torna lenda,
Quem te tem não evoca,
O porvir é nossa senda.

Em teu mar exultas a paixão,
Sem trono, tu és rainha,
Todos aclamam teu cepto,
Olvidam que és minha.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Plenitude

Quando gelo com olhar incendeias,
Quando toque permite consolo,
Quando sangue fervilha nas veias,
Quando flor irrompe do solo,
Quando rios fluem nos vales,
Quando vulcão rasga a montanha,
Quando alegria supera os males,
Quando dias sucedem sem resenha,
Quando mar galga as dunas,
Quando mundo gira na palma,
Quando despojo vale fortunas
Quando júbilo transborda na alma,
Quando vento expurga o pó,
Quando teu voo trespassa as teias,
Quando sol não vive só,
Quando chuva brilha em candeias,
Quando ébrio sem vinho tocar,
Quando instinto supera a razão,
Quando desassossego foge no ar,
Quando tristeza fenece à paixão.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Encontro Perdido


Se o mundo gira sem cessar
E a vida corre sem parar
De que te vale hesitar
Perder o sonho a pensar
No que viver te vai trazer
O que um dia irás ser
Procura o teu íntimo poder
Tudo o que te faz crescer
Emana a tua chama, o teu calor
Exalta o teu imenso amor
Impossível é não querer
Alcançar é tudo ter
É a dádiva do dador
É o incisivo, o predador
É a droga que te faz voar
Viajar no mesmo lugar

E se tudo o que queres
É um dia fugir
Subir sem receio de cair
Nada podes sentir
Somente esquecer a saudade e partir

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A Necessidade

Preciso viver,
Preciso ter,
Preciso ver,
Preciso ser.
Tenho fome,
Tenho sede,
Tenho vontade,
Tenho liberdade.
Quero sol,
Quero rua,
Quero noite,
Quero lua.
Peço fogo,
Peço ar,
Peço água,
Peço mar.
Fujo à dor,
Fujo à torpeza,
Fujo à fealdade,
Fujo à tristeza.
Renego a existência,
Renego a ignorância,
Renego a ausência,
Renego a constância.
Aprendo a ler,
Aprendo a saber,
Aprendo a sentir,
Aprendo a sofrer.
Sinto-me distante,
Sinto-me fugaz,
Sinto-me errante
Sinto-me quem jaz.
Como me encontro?
Quem me procura?
Como revivo?
Quem é a cura?
Não sei quem sou,
Não sei quem serei,
Não sei quem fui,
Não sei onde errei.
Vejo a preto,
O mundo de cor,
Cego pela raiva,
Mudo em clamor.
Solto os nós,
Correntes que envolvem,
Rasgo os ideais,
Vermes que me consomem.
Da vontade irei fugir,
Esquecer o que não vi,
Deixarei de precisar,
Pois só preciso de ti.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Perene

Equinas correntes rasgam carnes,
Tentáculos irrompem vísceras sem dor,
Lanças trespassam minha pele,
No húmus transborda a cor.

Acolhem-no ânforas repletas,
Pálidas como a pele que dilaceras,
As Medusas me sugam o tutano,
Discorre nas fímbrias de heras.

Liberto a seiva, solto farpas,
Pontas que outros ferem de mordazes
Quimeras de dor e júbilo laças,
Em arsenais são tenazes.

Inflamam lastros sem pavio,
Os restos que a podridão apregoa,
Cai o Rei, erige perene súbdito,
Corta a cabeça, mas resta a coroa.

Jaz curvado teu ente,
Em memórias de coração descrente,
Na imensidão defunta, a calma
Foi-se a luz mas fica a alma.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Sublime

Vejo o tempo que sinto,
Como cordas a tilintar,
Em uma voz de sereia,
Fonemas de frustre encantar.

Percorrem-me os óstios que emanam
Sibilos de tanto desejar,
As plumas e névoa palmilham,
Tua forma de arauto estrelar.

Irados percursos trauteiam,
Quem de ti não pode privar,
A ganância que todos consome,
Por ténue sorriso vislumbrar.

Como ouro no escuro cintila,
Ao ignorante e ingénuo olhar,
Meus olhos de pedra evaporam,
À sã magia sublime(ar).

domingo, 4 de julho de 2010

O fim...

Findou um passado,
Que no presente nos amola,
Em amarras nos enlaça,
Em teias nos enrola,
De tentáculos cáusticos,
A alegria nos consome,
Queremos aparta-lo,
Contrariando nos envolve,
Constringe nosso peito,
Como réptil esfomeado,
Queria sentir meu coração pulsar,
Não consigo, fui esventrado.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Temor

Por temor,
de temer
sua temeridade,
como temente
à divindade,
em voz trêmula
atemorizo
teu sorriso,
de verdade.

Ruído silencioso

Era uma vez um ser, que em seu divino infortúnio fora privado do dom da palavra e da eufonia do som. Seus lábios viviam selados, por sua laringe infecunda nada declamar. Os ouvidos resumiam-se a duas cartilagens encaracoladas, que amiseraravam a estética facial. Toda a vida almejou falar e ouvir! Conhecia o mundo pelo olhar, gosto, odor e tacto. Exaltava quatro sentidos… Mas era infeliz. Queria libertar as emoções que a alma polvilhavam, ouvir a melodia e entoação da voz do homem.
De tanto suplicar, por seu desígnio, o desejo foi-lhe concedido. Falou e ouviu, a própria voz e a voz de outros, que imensidões tinham para exprimir. De tanto palrar e escutar, esqueceu o próprio pensar, sua moral. Fora invadido pelo espaço em redor, os conceitos e preconceitos do mundano, o afável da palavra, a eloquência da língua, contrastada no sentir da intriga e da arma silábica. Percebeu que o mal jorra da boca dos seres, culpando habilmente seus incautos superegos. Não queria ouvir a dor, a lamentação, a maldade. Não queria exclamar mágoa nem raiva. O ser queria o silêncio…

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Exasperados




Trilhos,
Pedras,
Empedrenados,
Percorro,
Discorro,
A teu socorro,
De sobressaltos,
Ines'perados.
São vales,
Morros,
Estorvos,
Ao meu querer,
Contorno-os,
Enfrento-os,
Cesso ao ceder,
Fraqueza sem destreza,
Humano,
Apodes o poder,
De contornar,
Teu engodo,
Rasgar,
Teia,
Que prendes,
Quem ousa,
No enfrentar,
Ver,
Tua magia,
Veneno,
Arraigar,
De júbilo,
O afortuno,
Que em ti,
Pode tocar.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Retrocesso




Sinto que me deste o que não tinha,
Sem me teres dado coisa alguma,
Vivo crédulo em tua grandeza,
Distinta elegância e subtileza de pluma.

Viciosa, de tão complacente sonegas,
A fragilidade que te alicerça.
Teu franzino corpo ostenta
Imaculado brilho que o sol dispersa.

Mas, apartado de mente, incauto,
Teu tempo passou por mim,
Em leves fonemas se fez melodia,
Tua presença me assola no fim.

Procuro-te em sonhos frustres,
No preâmbulo, corrente, ao despertar,
Como se padece por alguém,
Que tão tarde ousou conquistar.

E os momentos que não tive,
Sorrisos jubilantes que não partilhei,
São lágrimas funestas inundando os dias,
Por amar quem nunca amei.

domingo, 2 de maio de 2010

Motriz

Prelúdio de desgraça, quando o final se auguraria auspicioso…

Tantas vezes o ouvimos, tantas vezes o sentimos.

Hoje não é o dia para sentir, amanhã também não sentirei… O passado nada importa. Soergue-te e deambula corpo mórbido. Da lentidão faz-te célere! Da debilidade emane a força e sustento, para que a tua imaginação volite…

domingo, 25 de abril de 2010

In memorium

“Em memória” de um país chamado Portugal e apelidado de “Tuga”. Quanto significado toma a nossa estupidez, e menosprezo pela nossa identidade! Já fomos Viriatos, Lusitanos, Conquistadores, Descobridores, para num presente cinzento virarmos ao “tuguismo”. Deve ser a salubridade do riso que fundamenta este conceito. Pelo menos, é o sentimento que me desperta – riso! Rio-me da parvónia que se cultiva, do inexacto ao escabroso. E rir faz bem… Relaxa-nos, liberta-nos, estimula-nos. E quem melhor para gozar senão o próprio e legítimo dono do seu riso.

De um país memorável, criámos um país de memórias.

De um povo que tudo conseguia, por vias directas ou transversas, indestrutível, irrevogável, geramos mentecaptos, cultivámos o “chico-espertismo” (mil perdões aos Franciscos deste país, por tão mau uso de seu nome), que de tão divulgado, supera a legítima “saudade”, como bandeira de nosso espaço.

No “dia da Liberdade”, como tantos dos nossos governantes mini-ditatoriais apelidam, que julgam ser donos desse mesmo direito, porque supostamente por ele lutaram. Muitos em seus palácios faustosos enquanto o povo vivia, comia e dormia em misérias (que para eles eram alheias – e o continuam a ser). Não cabe em mim a vontade de questionar as razões de celebração da efeméride? Vamos viver sempre agarrados a este dia? Uma celebração de algo que não existe? Um povo que vive num fosso, da extinta nobreza às actuais famílias feudais, tentáculos que alastram no púlpito social, que pateiam e satirizam o pobre proletariado, arremessando-lhe parcos cêntimos que os mantêm felizes em seus lugares. Como é fácil alegrar o português…

Vivem-se celebrações do dia do “direito”, o dia em que vontade se sobrepõe ao dever, o dia em que a imaginação subjuga a resignação, o dia em que a liberdade sodomiza a incauta opressão, que de tão naive se vê apartada do real, por outorgação da maioria.
Perdão, maioria?

Meu lapso, lamento. Uma ínfima minoria, quiçá?

Eu sou um dos “filhos pós-abril de setenta e quatro”. Nada vivi desses dias, nada sofri com os bufos desse tempo, com os ventos de troça, com os leitões e cabritos dos senhores da vila, com a repartição das sardinhas no prato, que alimentava três irmãos e uma mãe faminta, acompanhada de gotículas de azeite e três pedaços do tubérculo que por tempos idos alimentava porcos – salve a reserva do pai, que era a única fonte de sustento – a degradante miséria do trabalhador, para nutrir um estado que vivia abastado. Desconheço a totalidade cronológica dessa vivência. Salve-se a transmissão de meus avós, meus pais e manuais de história e o inigualável livro da terceira classe da bela mocidade do estado novo, que tanto me apraz. Haja algo de positivo no respeito pela nossa identidade. O único facto que deveríamos ter conservado desse tempo.

Como a história se encarrega de recordar, o esperado transforma-se em exasperado, o inesperado reverte-se no futuro. Quão curiosa é a evolução. Talvez a única ideologia positiva que poderíamos extrair de quarenta e um anos de ditadura, tenha sido a única que se perdeu – o amor por nós próprios; a luta por um país melhor, um estado acolhedor para quem nos deseja, um espaço de oportunidade, um cerne de inteligência e bom senso, foco de liberdade e justiça, apartado da trivial futilidade.
Infelizmente não. Celebramos o que não existe. Dinheiro em festas e arraiais, que tantos necessitados ajudaria, em vez da bajular os engalanados, como se de humildes serventes de um povo se tratassem.

É lastimável. O povo está cada vez mais remetido à sua profunda inocência.

Mas eu sou esperançoso! Por mais colérica e vermelha que seja a superfície, todo o interior é prado de esperança. Do estrume actual, nova geração rebenta, floresce, frutifica.

In memorium de um país passado, terminemos com o Vetustas vicem legis obtinet e sedimentemos um vitorioso futuro, na verdadeira liberdade.

Vox unius, vox nulliu.

Dias "Mundiais"...

Questiono-me sempre que leio, ouço, vejo estas duas palavras, sem qualquer significado!

Qual a razão da sua existência?

Lutemos contra a fome, dando de comer, alimentando nossos egos por no julgarmos bons filhos, em dias de ser mãe, em horas para ser pai, por cultivarmos pomares, regarmos as plantas no dia da árvore, onde arrancamos o lenho para lavrar nossos livros, que de mão em mão suada, consomem a água, que guerras cria e homens mata, sem direitos, sem julgo, sem pudor, num estímulo incontrolável, como bago de cafeína que borra teu almoço, de pão e vinho, peçonha social que te abraça à amizade, à mulher que me beija, e te expande em horizontes, que tua razão não vislumbra…

Eis a origem do teu “dia mundial”!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Incessante

Entardeceu, o sol larga a rua,
O candelabro agonia pela luz,
Entrevê meu corpo arfado
De intrépidas noites amado.

Que semblante de ferida,
Pura troça de prazer,
A dilua no sabor
Que me faz entorpecer.

Tem aura, expele,
Ar que me sufoca.
Teu nariz vocifera,
Por usurpar tua boca.

Disserto tua língua,
Sem arpejo nem calão,
Ósculos apaixonados me armam caminho,
Adulteram os poros de paixão.

Errante, discorro por teu ente curvilíneo,
Foco de indemne pilar,
Pedestal de razão irracional
Auge no tacto linear.

De volúpia os gémeos galgo,
Vislumbro o teu esgar,
No calor o frio se concebe,
Fímbrias árduas a espoletar.

Minha mão desliza, teu ser acalma,
Ludibria o inexperiente,
Na inquietude de amar,
Manipula todo o desejo incandescente.

Por animal devoto o íntimo aspira
Circunda o limbo a pairar,
O empedernido que o sustenta cede à alma,
Acutilante no deflagrar.

Rompem margens, quebram rosas,
De haste, inflamado,
Lubrifica teu eu presente,
De tão ausente altercado.

Teu ventre luta por sentir
Deleite que lhe é litigado
Qual larápio ávido de toque
Saque na tua pele emanado.

Coages-me à dor
Com escárnio de mulher
Teu delinear é catalisador
Teu sorriso o endoidecer

A infâmia nos assola
Se teu húmus no meu correr,
Que pontificante obra demo ergueu,
Se ao génesis não pertencer.

Ilusão tão credível
Imbuir-me no teu eu
Estorvo minha sombra amada
Culmino em apogeu.

Viver no amor
Com nosso sofrimento a arder
Ousemos em conluio partilhar
O que nos faz engrandecer.

Estendido neste leito
Percorro-me em ti,
Divago paulatinamente sobre mim
Sustento o que erigi.

Calor que a terra brota
Em seu crepúsculo eu me crio,
Tem alento de avassaladora
Que incauta me exibe o cio.

Do teu íntimo flamejante,
Faz de mim ser errante
Teu eterno amante
Neste périplo incessante.