“Em memória” de um país chamado Portugal e apelidado de “Tuga”. Quanto significado toma a nossa estupidez, e menosprezo pela nossa identidade! Já fomos Viriatos, Lusitanos, Conquistadores, Descobridores, para num presente cinzento virarmos ao “tuguismo”. Deve ser a salubridade do riso que fundamenta este conceito. Pelo menos, é o sentimento que me desperta – riso! Rio-me da parvónia que se cultiva, do inexacto ao escabroso. E rir faz bem… Relaxa-nos, liberta-nos, estimula-nos. E quem melhor para gozar senão o próprio e legítimo dono do seu riso.
De um país memorável, criámos um país de memórias.
De um povo que tudo conseguia, por vias directas ou transversas, indestrutível, irrevogável, geramos mentecaptos, cultivámos o “chico-espertismo” (mil perdões aos Franciscos deste país, por tão mau uso de seu nome), que de tão divulgado, supera a legítima “saudade”, como bandeira de nosso espaço.
No “dia da Liberdade”, como tantos dos nossos governantes mini-ditatoriais apelidam, que julgam ser donos desse mesmo direito, porque supostamente por ele lutaram. Muitos em seus palácios faustosos enquanto o povo vivia, comia e dormia em misérias (que para eles eram alheias – e o continuam a ser). Não cabe em mim a vontade de questionar as razões de celebração da efeméride? Vamos viver sempre agarrados a este dia? Uma celebração de algo que não existe? Um povo que vive num fosso, da extinta nobreza às actuais famílias feudais, tentáculos que alastram no púlpito social, que pateiam e satirizam o pobre proletariado, arremessando-lhe parcos cêntimos que os mantêm felizes em seus lugares. Como é fácil alegrar o português…
Vivem-se celebrações do dia do “direito”, o dia em que vontade se sobrepõe ao dever, o dia em que a imaginação subjuga a resignação, o dia em que a liberdade sodomiza a incauta opressão, que de tão naive se vê apartada do real, por outorgação da maioria.
Perdão, maioria?
Meu lapso, lamento. Uma ínfima minoria, quiçá?
Eu sou um dos “filhos pós-abril de setenta e quatro”. Nada vivi desses dias, nada sofri com os bufos desse tempo, com os ventos de troça, com os leitões e cabritos dos senhores da vila, com a repartição das sardinhas no prato, que alimentava três irmãos e uma mãe faminta, acompanhada de gotículas de azeite e três pedaços do tubérculo que por tempos idos alimentava porcos – salve a reserva do pai, que era a única fonte de sustento – a degradante miséria do trabalhador, para nutrir um estado que vivia abastado. Desconheço a totalidade cronológica dessa vivência. Salve-se a transmissão de meus avós, meus pais e manuais de história e o inigualável livro da terceira classe da bela mocidade do estado novo, que tanto me apraz. Haja algo de positivo no respeito pela nossa identidade. O único facto que deveríamos ter conservado desse tempo.
Como a história se encarrega de recordar, o esperado transforma-se em exasperado, o inesperado reverte-se no futuro. Quão curiosa é a evolução. Talvez a única ideologia positiva que poderíamos extrair de quarenta e um anos de ditadura, tenha sido a única que se perdeu – o amor por nós próprios; a luta por um país melhor, um estado acolhedor para quem nos deseja, um espaço de oportunidade, um cerne de inteligência e bom senso, foco de liberdade e justiça, apartado da trivial futilidade.
Infelizmente não. Celebramos o que não existe. Dinheiro em festas e arraiais, que tantos necessitados ajudaria, em vez da bajular os engalanados, como se de humildes serventes de um povo se tratassem.
É lastimável. O povo está cada vez mais remetido à sua profunda inocência.
Mas eu sou esperançoso! Por mais colérica e vermelha que seja a superfície, todo o interior é prado de esperança. Do estrume actual, nova geração rebenta, floresce, frutifica.
In memorium de um país passado, terminemos com o Vetustas vicem legis obtinet e sedimentemos um vitorioso futuro, na verdadeira liberdade.
Vox unius, vox nulliu.
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